GENÉTICA
- Você já reparou no jeito que o nosso filho ri?
- Como assim “no jeito que nosso filho ri”?
- É. Ele ri do jeito que ria um amigo meu da época de colégio, de olho fechado.
- “Olho fechado”?
- Isso. Apertando os olhos toda vez que ri.
- Mas o que tem demais nisso? Cada pessoa ri do jeito que quer, ora bolas.
- Nada disso. O jeito que a pessoa ri sempre gera conseqüências para ela. Esse meu amigo, por exemplo, até hoje é conhecido como o filho bastardo do japonês gozado. Não quero isso para o meu filho.
- Não tem nada desse papo de filho de japonês. Esse jeito de rir ele herdou do avô. Papai é quem ria desse jeito.
- Estranho, não me lembro de seu pai rindo.
- Mas era desse jeito que ele ria.
- Você não disse outro dia que seu pai não costumava rir por causa de uns problemas quando ele era criança. Que a mãe dele tinha muitos filhos, tinha que cuidar da vida, não podia ser amorosa com todos os quinze, e isto, e aquilo?
- Disse. É o que dizia mamãe sempre que parecia que meu pai tinha feito uma opção monástica pela cara fechada.
- E você não costuma dizer que seu pai tinha um grande senso de humor?
- Digo e repito. Não ser dado a risos não impedia ele de ser muito bem humorado. E daí?
- Daí que se o humor leva ao riso, seu pai deveria ter motivos para rir, não deveria?
- Visto desse jeito, sim, deveria. E daí?
- Daí que essa estória da sua mãe de que seu pai não ria porque não tinha recebido atenção da mãe quando criança não é o que explica a sisudez de seu pai.
- Do que você está falando?
- Seu pai parou de rir por outra razão.
- E qual seria essa razão?
- Seu pai fez uma opção.
- Opção?
- Enxergar a rir.
- O quê?
- Enxergar a rir. Quando ele ria seus olhos fechavam, então ele optou por continuar enxergando a rir.
- Quando eu penso que já ouvi todas as bobagens que deveria ouvir em vida, você me vem com essa?
- E nosso filho um dia vai também ter que se decidir por um dos dois.
- Você é louco! Meu pai teve uma infância difícil, sem amor dos pais, começou a trabalhar cedo, depois estudou, só se casou quando já tinha juntado algum patrimônio, já mais velho. Do que você queria que ele risse?
- Olha, essa sua versão da estória é até boa para quando a gente tiver que ensinar para o menino o valor do trabalho, sua ética, “primeiro a obrigação depois a diversão”, “ganharás o pão com o suor do seu rosto” e tudo o mais. Mas um dia ele vai ter que saber a verdade.
- Que verdade? Do que você está falando?
- Que seu pai preferiu enxergar a rir. E que ele também vai precisar escolher um dia.
- Você quando pega idéia fixa fica insuportável.
- Ouve que é importante. Nesse dia ele pode optar por rir e daí é muito importante.
- Tá bem. O que de tão importante você ainda quer dizer?
- Que ele não dê carona.
- Carona? Não dê carona?
- Nunca.
- ?
- Pra quem conte piadas ao motorista enquanto este dirige. Vê o risco?
- Você é mesmo uma besta! Devia ter te interrompido lá no começo dessa conversa. Onde já se viu ficar agourando o próprio filho?
- Não é questão de agourar. É preocupação.
- Chega! Vou até sair de perto. Vem, meu filho, que seu pai hoje não é boa companhia pra gente. Um trabalhão para pôr um bebê no mundo e vem esse aí despejar essa besteirada em cima da gente. Isso, filhinho, beija a mamãe. Isso. Agora tira o sorrisinho do rosto. Isso. Fica sério. Que nem o vovô no retrato... Que é muito perigoso isso de deixar o bebê rindo e apertando o olho... Sério.
- Como assim “no jeito que nosso filho ri”?
- É. Ele ri do jeito que ria um amigo meu da época de colégio, de olho fechado.
- “Olho fechado”?
- Isso. Apertando os olhos toda vez que ri.
- Mas o que tem demais nisso? Cada pessoa ri do jeito que quer, ora bolas.
- Nada disso. O jeito que a pessoa ri sempre gera conseqüências para ela. Esse meu amigo, por exemplo, até hoje é conhecido como o filho bastardo do japonês gozado. Não quero isso para o meu filho.
- Não tem nada desse papo de filho de japonês. Esse jeito de rir ele herdou do avô. Papai é quem ria desse jeito.
- Estranho, não me lembro de seu pai rindo.
- Mas era desse jeito que ele ria.
- Você não disse outro dia que seu pai não costumava rir por causa de uns problemas quando ele era criança. Que a mãe dele tinha muitos filhos, tinha que cuidar da vida, não podia ser amorosa com todos os quinze, e isto, e aquilo?
- Disse. É o que dizia mamãe sempre que parecia que meu pai tinha feito uma opção monástica pela cara fechada.
- E você não costuma dizer que seu pai tinha um grande senso de humor?
- Digo e repito. Não ser dado a risos não impedia ele de ser muito bem humorado. E daí?
- Daí que se o humor leva ao riso, seu pai deveria ter motivos para rir, não deveria?
- Visto desse jeito, sim, deveria. E daí?
- Daí que essa estória da sua mãe de que seu pai não ria porque não tinha recebido atenção da mãe quando criança não é o que explica a sisudez de seu pai.
- Do que você está falando?
- Seu pai parou de rir por outra razão.
- E qual seria essa razão?
- Seu pai fez uma opção.
- Opção?
- Enxergar a rir.
- O quê?
- Enxergar a rir. Quando ele ria seus olhos fechavam, então ele optou por continuar enxergando a rir.
- Quando eu penso que já ouvi todas as bobagens que deveria ouvir em vida, você me vem com essa?
- E nosso filho um dia vai também ter que se decidir por um dos dois.
- Você é louco! Meu pai teve uma infância difícil, sem amor dos pais, começou a trabalhar cedo, depois estudou, só se casou quando já tinha juntado algum patrimônio, já mais velho. Do que você queria que ele risse?
- Olha, essa sua versão da estória é até boa para quando a gente tiver que ensinar para o menino o valor do trabalho, sua ética, “primeiro a obrigação depois a diversão”, “ganharás o pão com o suor do seu rosto” e tudo o mais. Mas um dia ele vai ter que saber a verdade.
- Que verdade? Do que você está falando?
- Que seu pai preferiu enxergar a rir. E que ele também vai precisar escolher um dia.
- Você quando pega idéia fixa fica insuportável.
- Ouve que é importante. Nesse dia ele pode optar por rir e daí é muito importante.
- Tá bem. O que de tão importante você ainda quer dizer?
- Que ele não dê carona.
- Carona? Não dê carona?
- Nunca.
- ?
- Pra quem conte piadas ao motorista enquanto este dirige. Vê o risco?
- Você é mesmo uma besta! Devia ter te interrompido lá no começo dessa conversa. Onde já se viu ficar agourando o próprio filho?
- Não é questão de agourar. É preocupação.
- Chega! Vou até sair de perto. Vem, meu filho, que seu pai hoje não é boa companhia pra gente. Um trabalhão para pôr um bebê no mundo e vem esse aí despejar essa besteirada em cima da gente. Isso, filhinho, beija a mamãe. Isso. Agora tira o sorrisinho do rosto. Isso. Fica sério. Que nem o vovô no retrato... Que é muito perigoso isso de deixar o bebê rindo e apertando o olho... Sério.