Seminovos e usados

EM TENTATIVA

Pessoal

Mora no Rio de Janeiro. Carioca adotivo, faz umas coisas por aí e já quis escrever com alguma disciplina, razão de ser desse blogue.

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No cabeçalho do blogue são três britânicos vasculhando os destroços da biblioteca de Holland House, em Londres, outubro de 1940, após bombardeio alemão. Nove em cada nove espíritos elevados concordam que entre uma bomba e outra há sempre espaço para uma flûte de champagne, um passeio de olhos em prateleiras repletas de livros e uma boa leitura. Sem dúvida.

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sábado, outubro 16, 2004

MENINO

Menino descia as escadas na rapidez que suas pernas de menino permitiam. Vencia os degraus com cuidado e num ritmo constante, concentrado no que fazia. Como se não quisesse perder a liberdade de não precisar de um adulto seguindo seus passos o tempo todo.

Quando, enfim, concluía sua descida, não economizava sorrisos de júbilo pela vitória conquistada. Ainda tinha idade, pois, para comemorar o término de cada tarefa que se propunha realizar, por mais pequenina e repetitiva que fosse. Não tinha ainda os três primeiros anos completos.

Vivia solto na casa de vários andares. De longe o olhar da mãe. Os espaços, a mobília, empregados. Todos na mesma casa que o menino, que desse modo passava os dias. Solto. Senhor do que o cercava.

Às vezes, aparecia alguém dizendo coisas para o menino:
- Vem cá, menino!
- Sai da terra, menino!
- Não puxa o fio, menino!

Se o menino se machucava, logo aparecia sua mãe. Que sorria. Beijava. Sorria bonito, a mãe.

O menino não tinha medo de ficar solto, porque quando a mãe sorria, ele sorria junto.

Medo ele sentia apenas perto do pai. Do pai sumir de perto.

Era bom o colo de seu pai, mais confortável que da mãe e as outras mulheres que o punham em seus braços. O pai falava coisas, explicava outras, fazia com que o menino risse e sumia. E vinha o medo. O pai saía de novo.

Nessa época o pai viajava sempre. Trabalho. Sempre o medo.

Mas o menino tinha a receita de sumir com aquele medo. Corria pela casa. Ocupava os empregados em sua volta:
- Vem cá, menino!
- Sai da terra, menino!
- Não puxa o fio, menino!

Menino, menino, menino. Isso. Aquilo.

Tomou posse de áreas cada vez maiores da casa.

Desbravou o quintal, que clamou para si em todo seu esplendor de quintal cheio de plantas, insetos, passarinhos.

Falava com os passarinhos. Piu, piu, piu,... Não se interessava pela conversa de plantas e insetos.

Um dia, no alpendre da porta da cozinha, investigava uma mangueira de plástico amarelo e viu sair de casa carregando bolsas a moça que limpava a casa, o quarto do menino.

De dentro da cozinha ouviu os empregados dizendo que foi certo o feito. Gostava demais da moça o pai do menino.

Depois do dia em que ela foi embora, o pai do menino começou a sair menos. Viajar menos. Ficava mais em casa. Mais perto do menino. A mãe ficou sem sorrir.

O menino ficou com saudade do riso da mãe.

O pai ficou sem graça sem o riso da mãe.

Às vezes aparece alguém perguntando:
- Cadê o menino?
- Cadê o menino?

O menino longe. No quintal. Com os passarinhos.