FRESCURA
É a festa de confraternização do local onde trabalham. Dezenas de pessoas que passaram o ano convivendo profissionalmente encontram espaço para demonstrar alegria pelas realizações alcançadas e para renovar a convicção de novas conquistas no futuro. Sorridentes, os dois dançam, entregues àquele rito de celebração. Fotos antigas são projetadas em um telão e ele se lembra de que há três anos eles dançaram juntos, naquele mesmo local, na mesma festa de fim de ano. Eles é que não são os mesmos. Estão diferentes. Agora riem mais confiantes, mais íntimos. Coisas do tempo. As formalidades na pista de dança não são mais necessárias e ela se desfaz dos sapatos, trazendo para a festa a leveza de seus pés descalços. Depois é ele que se livra de sapatos e meias, compelido a acompanhar o gesto dela, embora sem a mesma graciosidade. Os pés descalços na pista de dança os unem, selam entre os dois um pacto pela alegria e lhes dão algo que agora compartilham. São parte da alegria um do outro enquanto dançam despreocupados e felizes. Dividem uma celebração verdadeira em meio a pedaços de vidro deixados no chão pelas taças que se quebraram. Preocupado com possíveis cortes e perfurações, ele faz menção de entregar a ela de volta os sapatos que podem de novo proteger seus pés. Ela retruca: “Frescura!”. Ele ri. Permanecerão descalços. Não existe espaço para frescura naquela noite de música, giros e risos. A menina criada no subúrbio do Rio, correndo descalça no asfalto quente e na terra batida dos quintais, tem seus pés protegidos pela certeza de que existem coisas muito mais importantes do que se usar sapatos quando se está feliz. No topo da lista, a própria felicidade. Na outro dia, ele lava os ferimentos dos pés e retira os pedaços de vidro mais persistentes. Não consegue deixar de dar razão a ela e sorri: “Frescura”.