Seminovos e usados

EM TENTATIVA

Pessoal

Mora no Rio de Janeiro. Carioca adotivo, faz umas coisas por aí e já quis escrever com alguma disciplina, razão de ser desse blogue.

A Foto

No cabeçalho do blogue são três britânicos vasculhando os destroços da biblioteca de Holland House, em Londres, outubro de 1940, após bombardeio alemão. Nove em cada nove espíritos elevados concordam que entre uma bomba e outra há sempre espaço para uma flûte de champagne, um passeio de olhos em prateleiras repletas de livros e uma boa leitura. Sem dúvida.

Escreva-me

dpedra @gmail.com

Últimos Posts

Arquivo

Leio

Powered by Blogger

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

UMA TAL BELEZA

Uma tal beleza,
tal alegria,
primaveras findas
quando o verão chega.

Benfazejo gosto
na fotografia
e desvelo ainda
onde o sangue falta.

Tanto de nós
é leste,
outro oriente
por ser inventado.

Ou dito de outro modo:

Você ao lado,
contradança aceita,
dispensado ensaio.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

EU SOU BONITA!

- Eu sou bonita! Eu aceito ser bonita!
Gritando seu desespero Maria conseguiu interromper os passos de Antonio.
Ele, no outro extremo da ponte, afastava-se decidido a não lançar olhar sobre os ombros. Parou de costas, a cabeça menos pesada. O grito da mulher de gestos impulsivos e coração enorme parecia oferecer algo novo.
Virou-se aos poucos, cauteloso mas inebriado pelas palavras que acabara de ouvir. Maria viu surgir de novo o rosto do homem de coração despedaçado e gestos seguros.
O peso da mochila em suas costas obrigava-o a caminhar curvado. O quasímodo particular dela. Quando ele parou bem perto, quase dentro de seus olhos, ela sorriu.
- Você é bonita, Maria! Muito bonita.
- Eu aceito, Antonio! Aceito ser bonita! Desde que a beleza dure para sempre. Somente se for para sempre!
A condição imposta e inesperada encontrou-o desprotegido. Tanto quis dela que aceitasse seus elogios, que ela os recebesse como partes de si que ele ofertava em sacrifício. Não imaginava possível haver senões à sua oferta. Não sabia lidar com objeções ao que julgava perfeito.
- Apenas se durar para sempre, Antonio! Do contrário não! Do contrário não quero!
Antonio inerte.
Nele, reação nenhuma. Há surpresa pela veemência da condição imposta pela mulher e o choro toma o rosto de Maria. As lágrimas aumentam. Antonio mudo. Não pode assegurar a eternidade da beleza de Maria.
Desesperada. Linda.
Antonio aproxima-se. Chega-lhe por seus pulsos, que agora estão seguros. Os pulsos tomados não calam o choro, não fecham a alma.
As mãos de Maria são abertas e Antonio nelas deita o próprio rosto. Sua mulher quase se afoga no próprio choro e ele sente o medo passar.
Olhos nos dela, as mãos nas mãos de pele clara e lisa, as unhas bem-feitas, esmalte claro. Segura com força os dedos dela, que já não respira, coração aberto. O gesto é rápido. Os olhos de Antonio, as unhas tão bem cuidadas forçadas pupila a dentro. O encontro súbito e a mistura de sangue e lágrimas. O vermelho escorre, ralo, diluído.
Ele de joelhos, ela aos poucos retorna a si.
Coloca-o nos braços entre soluços. O amor que sente não cabe na calçada daquela ponte.
Ela é bonita naquele homem. Para sempre nele.