- Eu sou bonita! Eu aceito ser bonita!
Gritando seu desespero Maria conseguiu interromper os passos de Antonio.
Ele, no outro extremo da ponte, afastava-se decidido a não lançar olhar sobre os ombros. Parou de costas, a cabeça menos pesada. O grito da mulher de gestos impulsivos e coração enorme parecia oferecer algo novo.
Virou-se aos poucos, cauteloso mas inebriado pelas palavras que acabara de ouvir. Maria viu surgir de novo o rosto do homem de coração despedaçado e gestos seguros.
O peso da mochila em suas costas obrigava-o a caminhar curvado. O quasímodo particular dela. Quando ele parou bem perto, quase dentro de seus olhos, ela sorriu.
- Você é bonita, Maria! Muito bonita.
- Eu aceito, Antonio! Aceito ser bonita! Desde que a beleza dure para sempre. Somente se for para sempre!
A condição imposta e inesperada encontrou-o desprotegido. Tanto quis dela que aceitasse seus elogios, que ela os recebesse como partes de si que ele ofertava em sacrifício. Não imaginava possível haver senões à sua oferta. Não sabia lidar com objeções ao que julgava perfeito.
- Apenas se durar para sempre, Antonio! Do contrário não! Do contrário não quero!
Antonio inerte.
Nele, reação nenhuma. Há surpresa pela veemência da condição imposta pela mulher e o choro toma o rosto de Maria. As lágrimas aumentam. Antonio mudo. Não pode assegurar a eternidade da beleza de Maria.
Desesperada. Linda.
Antonio aproxima-se. Chega-lhe por seus pulsos, que agora estão seguros. Os pulsos tomados não calam o choro, não fecham a alma.
As mãos de Maria são abertas e Antonio nelas deita o próprio rosto. Sua mulher quase se afoga no próprio choro e ele sente o medo passar.
Olhos nos dela, as mãos nas mãos de pele clara e lisa, as unhas bem-feitas, esmalte claro. Segura com força os dedos dela, que já não respira, coração aberto. O gesto é rápido. Os olhos de Antonio, as unhas tão bem cuidadas forçadas pupila a dentro. O encontro súbito e a mistura de sangue e lágrimas. O vermelho escorre, ralo, diluído.
Ele de joelhos, ela aos poucos retorna a si.
Coloca-o nos braços entre soluços. O amor que sente não cabe na calçada daquela ponte.
Ela é bonita naquele homem. Para sempre nele.