Seminovos e usados

EM TENTATIVA

Pessoal

Mora no Rio de Janeiro. Carioca adotivo, faz umas coisas por aí e já quis escrever com alguma disciplina, razão de ser desse blogue.

A Foto

No cabeçalho do blogue são três britânicos vasculhando os destroços da biblioteca de Holland House, em Londres, outubro de 1940, após bombardeio alemão. Nove em cada nove espíritos elevados concordam que entre uma bomba e outra há sempre espaço para uma flûte de champagne, um passeio de olhos em prateleiras repletas de livros e uma boa leitura. Sem dúvida.

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sexta-feira, julho 29, 2005

SOL

O ventilador está desligado. Tem uma camada de melado na minha pele. Agorinha passou um trenó de gelo. Vou deslizar na duna. Dane-se que faz sol. Moço, quanto custa o pirulito? O colorido. Quero hoje a camiseta! Por que chove tanto na cidade? Duas pedras de açúcar e chega. Meu nariz vai coçar se eu espirrar. É preto de tanta sujeira embaixo da unha. Claro que eu sopro menos se eu tiver perdido o fôlego. Hoje é o dia da fogueira santa. Ai, meu Santo Antônio, dá jeito nesse meu dedinho. Aperta o alicate mais. Isso é quanto eu calço, isso é quanto eu peço. Logo chega o bonde que eu vou pegar. Faz sinal pra mim?

- Vai dizer que não gosta quando eu passo minha língua aqui?

Não. Mas mato você se parar agora.

quinta-feira, julho 21, 2005

A MELHOR COISA QUE PODIA

- É a melhor coisa que eu podia ter feito!
- Mas e a convivência excessiva? Todo o tempo tão próximos um do outro? Não atrapalha?
- Não, claro que não. Pelo contrário. Ou você acha que é mais fácil dar certo com uma completa estranha?
- Pode ser... Mas e o negócio de saber tanto detalhe sobre ela não corta um pouco aquele mistério que põe tempero no relacionamento? Ir conhecendo aos poucos a intimidade da parceira... sabe?
- Você está maluco? Desvendar intimidade aos poucos é fria! Quer coisa melhor? Saber desde sempre se a moça toma banho, se escova os dentes depois das refeições, se é dessas que gostam de passear em shopping, se implica com o jogo de futebol com os amigos.
- Mas tem alguma coisa ainda que não fecha...
- Deixa disso, rapaz! Se eu estou dizendo... Quer saber a melhor?
- Pois diga.
- A sogra.
- ???
- A sogra é o melhor de tudo. Uma verdadeira mãe.
- Tudo bem, tudo bem... Pode até ser. Mas ainda tem alguma coisa errada nessa estória de namorar a própria irmã. Tá perfeito demais... sabe?

SEUS PAIS TINHAM RAZÃO

A jovem estudante recusara o convite para o jantar em homenagem ao senhor Comendador no clube de campo. Na sala de jogos onde costumava sentar-se para ler enquanto todos dormiam, o silêncio deixava mais agradável ainda a companhia de seu livro. Levantou-se quando a sala tornou-se escura e retornou inquieta e desconfiada à poltrona que ocupava. Novo desligar das luzes fez com que saltasse na direção da porta. As palpitações do peito explodiam e alcançavam-lhe a boca. Correu desvencilhando-se dos dedos pegajosos que lhe tocavam o corpo, seguravam-na pelos braços, pernas e nos cabelos. Pelo chão ficavam as roupas arrancadas por mãos que ela não enxergava na escuridão. Apoiou seu corpo seminu na porta de entrada da casa tão logo a fechou por trás de si. Arfava sofregamente. A tensão transformou-se em desespero e ela começava a chorar quando a mão posta sobre seu ombro pareceu dizer:

- Estou aqui. Com você.

Um líquido esbranquiçado e viscoso escorria da escápula na direção de seu seio direito.




O texto acima também está aqui.

quarta-feira, julho 20, 2005

VINTE E NOVE

Três moças nuas,
no meio da rua, minha casa,
eu não decidia.

Um detalhe as fazia lindas,
meu sorriso se enchia d’água
quando eu as via.

Na biblioteca
eram histórias o que eu procurava.

Enredo,
passos entrelaçados, medo,
elo dentro, entrada.

Na parte de fora
soçobravam partes desconcertadas.

Costas,
todo debruçado, dedos,
suas mãos a postos.

Eu
nomeio
você.

Você de roupa tem mais beleza
do que as mulheres das revistas que eu folheava.

terça-feira, julho 19, 2005

DOIS ANOS

Os dois decidem e juntam-se. O que foi? Impulso? Amor? Certamente os dois. Embriagar-se de amor tão somente contemplativo transforma o outro numa paisagem admirável. Impulso sem o amor por mola dá por fruto uns pulos pequenininhos. Daí começa. Avança e pára. Recomeça. Felicidade? Plenitude? Cruzar uma correnteza significa que falta menos rio até chegarmos na outra margem. Mas a felicidade não está em completar a travessia. É se manter nadando. Se é uma travessia a dois, é se manter nadando por amor. Eu tantas vezes fui a pique e busquei sua mão. Que esteve lá todas as vezes. Sempre que a encontrei voltei mais leve, menos fácil de descer ao fundo. Hoje, meu maior presente são esses dois anos. Cada partezinha deles. As duas crianças. Quem eu sou hoje por sua causa. Quem mais e mais vou sendo. Por isso agradeço. Por isso prometo. Não vou para de bater as pernas. Não vou deixar os braços pesarem. Por amor. Por nós dois. Por mim. Cada vez mais rápido. Na velocidade de que precisamos.

segunda-feira, julho 18, 2005

AMOR É

- Mas você a ama?

Eufrásio levava a sério o amor. Decidiu refletir com cuidado antes de responder ao amigo Astolfo. Sua amada não merecia qualquer tipo de vacilação em sua resposta, mas tampouco ficaria feliz se ele respondesse tão rapidamente que suscitasse suspeitas de leviandade sobre seus sentimentos.

- Amo.

- Mesmo que ela cheire mal, você ainda a ama?

Para Astolfo, a pergunta era crucial. Duvidava de amores mal-cheirosos e não resistiu a questionar o amigo sobre a longevidade de seu amor diante de eventual incompatibilidade aromática entre ele e sua amada.

- Amo. Meu nariz e seus gostos são menos importantes do que minha vontade de estar ao lado dela.

Agora Eufrásio apreciou a rapidez com que respondera à indagação. Ela decerto teria gostado.

- Mas e se ela começar a gritar com você, revelar-se uma louca desvairada, do tipo que dá vexames, e desrespeita o esposo na frente até mesmo de amigos e parentes?

Astolfo percebeu seu jogo sujo com o amigo. Nenhum homem seria capaz de suportar tanta humilhação, ainda que amasse a mulher que tem ao lado. Desfeita dessa natureza nem mesmo Eufrásio poderia admitir.

- Amo. E pediria mais, se dela esse mais viesse.

Eufrásio começava a irritar-se com o que percebia serem provocações vindas do melhor amigo. Talvez por isso tenha deixado de lado o pudor e as boas maneiras que lhe eram característicos. Seus excessos justificar-se-iam, sem dúvida.

- Pois então responda, senhor aceitarei-de-tudo-vindo-de-meu-amor. E traição? Traição você aceitaria da parte dessa mulher? Ainda amaria essa que insiste em continuar a seu lado, embora sirva a tantos senhores quanto seu frágil corpinho alvo e tenro consegue suportar? Ainda beijaria a boca que sabe ser mais contaminada e corrompida que escarradeira de sanatório de tuberculosos?

Se estivesse menos transtornado com o que considerou rudeza extrema e grosseria desnecessária daquelas palavras, Eufrásio talvez tivesse percebido que seu amigo não se encontrava em seu melhor estado de equilíbrio. Talvez não respondesse esbravejando.

- Sim, amaria! Mesmo que para isso fosse necessário ter na boca o que me enoja e traz em si marcas de vileza enormes, sim, eu amaria. Entendeu? Entendeu?

Fora claro o bastante. Astolfo entendera e olhava, agora, o amigo de um jeito que oscilava ora entre a descrença na existência, num mundo tão árido como este, de alguém capaz de entrega gigantesca como a que conseguia Eufrásio, ora entre a compaixão pelas deliciosas dores todas que o amigo decerto haveria de experimentar. As certezas em que agora se detinha eram duas: O amigo era bom demais para aquela mulher, talvez até para esse mundo, e, antes de tudo, era preciso salvar Eufrásio.

- Eufrásio...

Três certezas.

- Diga, Astolfo.

Antes de tudo.

- Esquece ela...? Namora comigo?

DESCENDO

Ao que parece, divisar o horizonte do alto do telhado está longe de proporcionar todas as respostas.

Reabro, pois, a bodega.

Agradecimentos a Olivia, autora das mudanças na aparência deste blogue.

Profissional talentosa, aos interessados recomendo uma visita a seu webportfolio.

Que venha logo o próximo dia.