- Mas você a ama?
Eufrásio levava a sério o amor. Decidiu refletir com cuidado antes de responder ao amigo Astolfo. Sua amada não merecia qualquer tipo de vacilação em sua resposta, mas tampouco ficaria feliz se ele respondesse tão rapidamente que suscitasse suspeitas de leviandade sobre seus sentimentos.
- Amo.
- Mesmo que ela cheire mal, você ainda a ama?
Para Astolfo, a pergunta era crucial. Duvidava de amores mal-cheirosos e não resistiu a questionar o amigo sobre a longevidade de seu amor diante de eventual incompatibilidade aromática entre ele e sua amada.
- Amo. Meu nariz e seus gostos são menos importantes do que minha vontade de estar ao lado dela.
Agora Eufrásio apreciou a rapidez com que respondera à indagação. Ela decerto teria gostado.
- Mas e se ela começar a gritar com você, revelar-se uma louca desvairada, do tipo que dá vexames, e desrespeita o esposo na frente até mesmo de amigos e parentes?
Astolfo percebeu seu jogo sujo com o amigo. Nenhum homem seria capaz de suportar tanta humilhação, ainda que amasse a mulher que tem ao lado. Desfeita dessa natureza nem mesmo Eufrásio poderia admitir.
- Amo. E pediria mais, se dela esse mais viesse.
Eufrásio começava a irritar-se com o que percebia serem provocações vindas do melhor amigo. Talvez por isso tenha deixado de lado o pudor e as boas maneiras que lhe eram característicos. Seus excessos justificar-se-iam, sem dúvida.
- Pois então responda, senhor aceitarei-de-tudo-vindo-de-meu-amor. E traição? Traição você aceitaria da parte dessa mulher? Ainda amaria essa que insiste em continuar a seu lado, embora sirva a tantos senhores quanto seu frágil corpinho alvo e tenro consegue suportar? Ainda beijaria a boca que sabe ser mais contaminada e corrompida que escarradeira de sanatório de tuberculosos?
Se estivesse menos transtornado com o que considerou rudeza extrema e grosseria desnecessária daquelas palavras, Eufrásio talvez tivesse percebido que seu amigo não se encontrava em seu melhor estado de equilíbrio. Talvez não respondesse esbravejando.
- Sim, amaria! Mesmo que para isso fosse necessário ter na boca o que me enoja e traz em si marcas de vileza enormes, sim, eu amaria. Entendeu? Entendeu?
Fora claro o bastante. Astolfo entendera e olhava, agora, o amigo de um jeito que oscilava ora entre a descrença na existência, num mundo tão árido como este, de alguém capaz de entrega gigantesca como a que conseguia Eufrásio, ora entre a compaixão pelas deliciosas dores todas que o amigo decerto haveria de experimentar. As certezas em que agora se detinha eram duas: O amigo era bom demais para aquela mulher, talvez até para esse mundo, e, antes de tudo, era preciso salvar Eufrásio.
- Eufrásio...
Três certezas.
- Diga, Astolfo.
Antes de tudo.
- Esquece ela...? Namora comigo?