UM CONTO DE DUAS IDADES
Lembrou que a aniversariante era amiga em comum de ambos quando já estava a caminho da festa. Se tivesse lembrado antes, chegaria mais cedo. Fazia tempo que não a via e oportunidade como aquela não se repetiria tão cedo (deveria ter se lembrado, droga!). A pequena multidão que se espremia impediu-o de vê-la por pouco tempo. De pé, cabelos cor de cenoura, bonita como se lembrava dela. Passou a seu lado em direção à escada que levava ao mezanino onde a aniversariante recebia os convidados. Esticou os olhos e percebeu sorrisos em meio às conversas. A Cenourinha tinha companhia. A cada degrau, percorria partes da história dos dois. Primeira vista. Provocações. A certeza de que seriam um do outro. Concretizar o encontro. Apaixonarem-se. o confronto com às exigências que as paixões impõem. Desenlace. Desfecho. "Feliz aniversário!". 'Obrigada'. "Você merece!". Descendo escadas, novo olhar. Ela o vê. Cumprimenta-o com acenos e palavras que só podem ser compreendidas pela leitura dos lábios. Má idéia. Lembrou dos lábios. Passa direto. Não quer constrangê-la. Não quer se constranger. Ouve a música. Finge dançar. Finge que conversa. Corta o salão a procura de frestas na multidão que permitam enxergá-la. O samba em volume altíssimo não atrapalha a música em sua mente. Só ouve a trilha sonora de ambos. Angra, Marillion e os Hermanitos. Não vai caminhar até ela. Não vai dizer que é bom revê-la. Não vai lhe dar um beijo (pelo velhos tempos, for god sake!). Não vai roubar um banco, nem ser perdoado pela História. Passa o cartão de débito no caixa. Recupera a bolsa de ginástica no guarda-volumes. Toma o táxi que o segurança lhe oferece. Antes de chegar em casa, ainda ouve do motorista que há noites em que nada dá certo. Gira a chave. Abre a porta. De pé, inesperada, sua ruiva. Sua Cenourinha. Cai o molho de chaves. Ouve boquiaberto escapar pelo sorriso dela: "What took you so long, stranger?". Desce do carro e dá razão ao taxista, que parte ignorando o pagamento a mais. 'Pode guardar o troco'.