Seminovos e usados

EM TENTATIVA

Pessoal

Mora no Rio de Janeiro. Carioca adotivo, faz umas coisas por aí e já quis escrever com alguma disciplina, razão de ser desse blogue.

A Foto

No cabeçalho do blogue são três britânicos vasculhando os destroços da biblioteca de Holland House, em Londres, outubro de 1940, após bombardeio alemão. Nove em cada nove espíritos elevados concordam que entre uma bomba e outra há sempre espaço para uma flûte de champagne, um passeio de olhos em prateleiras repletas de livros e uma boa leitura. Sem dúvida.

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segunda-feira, julho 30, 2007

AULA 1

Jogava cartas, deitada, com uns amigos. Ele pensou melhor antes de chegar perto, perguntar o nome, puxar conversa, parecer esperto, chamar para sair, virar namorado e acabar jogando baralho com eles. Umas tias eram fãs de tranca e seu pai falava que nem padre dos males da jogatina, que arruinava vidas e destruía famílias. A mãe via uns progrmas na televisão com partidas de pôquer para quando o prêmio da loteria fosse dela e desse para viajar num desses navios com cassino. Até os onze anos a irmã conseguiu obrigá-lo a ser parceiro de buraco por causa de um segredo que ela sabia dele e era um segredo terrível do qual ambos se esqueceram e ele parou de ter que jogar com ela. Em vez de nadar - tanto espaço do Leme à colônia de pesca - o Arpoador logo ali, jogavam cartas. Desperdício. Ele deitou e fixou os olhos para cima querendo meio sério, meio brincando, que a luz forte o deixasse cego, mas ficou pouco tempo assim porque a luz estava realmente forte e lhe doía um pouco a vista. Coçou as pálpebras fechadas com os nós dos dedos. Olhou um pouco melhor. Ela tinha pouca cintura, mas a gordura nos culotes arredondava suas formas. Gostou, menos dos dentes, acavalados. Aparelho nem é muito caro hoje em dia, dá para pôr se a pessoa tiver saco para as idas ao consultório. Isso ele achava chato também, quase igual baralho, injeção e as aulas de francês com a professora que tinha sido grande amiga de sua avó. Escondeu-se atrás do copo limonada - odiava ficar com a boca seca - para vê-la caminhar até o chuveiro onde se banha quem não gosta ou acha poluída a água salgada. Tudo a mesma imundície, alguém sempre dizia na casa dele. Por isso voltava sempre seco. Tinha raiva dos sermões que faziam as micoses e infecções parecerem simpáticas. Também não podia andar descalço e as janelas abertas encanavam ventos que sepultariam todos na casa. A irmã era proibida de coisas como tomar leite ou de bater bolos se estivesse menstruada. Ele obedecia. Girou sobre o próprio corpo para vê-la melhor no banho. Os amigos gritavam umas piadas e ela sorria meio acanhada de ser o alvo das brincadeiras. Corria as mãos desde o cabelo, no tórax e nas pernas. Repetia o movimento devagar, num ritmo bem mais lento do que os risos e as gozações eram lançados. Os sons chegavam e iam desaparecendo em volta dele, meio distorcidos, até sumirem de vez. Pareceu que adormecia ou com um tipo de insolação. A vista escureceu por um tempo e ficou um bom tempo assim antes dele voltar a enxergar direito. Nova rodada do jogo, ela já de volta, sentada sob o guarda-sol. Ainda bem que não desmaiou ou algo parecido. Recompôs-se e voltou a observá-la em ação. Segurava as cartas com uma única mão e se abanava com o leque por elas formado. Às vezes ria. Noutras parecia um pouco zangada com os resultados da partida. Quando teve que escolher o que descartar, roeu as unhas ou uma dessas pelezinhas que vão se soltando junto às unhas, cuspiu o que tinha arrancado com os dentes, piscou ambos os olhos e arremessou a carta com dois dedos, fazendo com que ela girasse no sentido horário na queda. Riu da perfeição do arremesso. Riu de si, ele pensou, baixando os olhos quando ela se voltou para a risada dele. Jogaram por algum tempo ainda. Ela então se levantou para nadar. Ele fingia prestar atenção na roda de carteado. Assistiu a tudo meio de lado. O mergulho rijo. As braçadas. Longe, cada vez mais longe. O jogo prosseguindo, as piadas e suas brincadeiras. Quis falar com ela. Quis gritar. Mais longe. Os risos. Os olhos fechando. Que jogaria cartas com ela. Sempre depois da escola. Ele via. Sempre a via. Não via mais. Cada vez mais longe. Os homens a procurando. A luz forte escurecendo a vista. Não viu. Chegou seco em casa. Quis falar com ela.

OFICINA

Começou nova oficina de contos no Portal Literal.

Vou fazer os exercícios prescritos no final de cada aula e publicar por aqui.

A vocês que ainda lêem esse site, deixo o convite para fazerem o mesmo.

Dia bom e feliz em que esse blogue volta à sua função original, forçar-me à prática da escrita.

sexta-feira, julho 27, 2007

NOVOS LINKS

Muito me deixa honrado incluir na barra de links do "LEIO" do Seminovos, os blogues Where the wheter suits my clothes e DeTOnT3RiA, respectivamente comandados por meus amigos Maureen e Gualter.

Comum a ambos, a defesa de um lugar para o lirismo no mundo cotidiano e palavras que desvelam o que se esconde por trás do imediato, do banal.

Privilégio meu ter amigos assim.

quinta-feira, julho 26, 2007

BOLETIM DO PAN IV

'PANEGÓCIOS'

Ninguém duvida que os Jogos Pan-americanos criam inúmeras oportunidades de geração de renda na cidade. Por toda parte, o empreendedorismo do carioca faz surgir novas modalidades de negócios. Nos arredores do estádio do Maracanã, Valdyr dos Santos, 40 anos, camiseta regata, bermudas e chinelos de borracha, oferece seus serviços às pessoas que caminham na direção do outrora maior do mundo: “Olha o ingresso! Olha o ingresso da final! Olha o ingresso do bom!”. Pergunto se o Pan tem sido bom para os cambistas. “Não sou cambista. Sou facilitador do acesso pelo público a ingressos não mais disponíveis por meios oficiais”. Ante minha curiosidade sobre a diferença entre sua atividade e a dos cambistas, ele esclarece: “Não sei. Nunca fui cambista. Trabalhava numa multinacional, mas vislumbrei no Pan a chance de começar meu próprio negócio. –Olha a Arquibancada! Arquibancada a cento e cinqüenta!”. Um turista americano se aproxima interessado nos ingressos. Atento à oportunidade, Valdyr informa : “Arquibancada? Duzentos! Two hundred!”. Vende dois ingressos. Alego que cobrar ágio em cima de turistas todo cambista faz e ouço de bate-pronto: “Não é ágio. É segmentação! Promovo uma diferenciação seletiva entre consumidores, agregando valor ao produto final que oferto no mercado!”. E, sem esperar minha próxima pergunta, dá provas de que entende do mercado em que atua. “Foi bom falar com você, mas pode dar licença? Meu departamento de marketing numa opinion poll recente concluiu que a discrição é um valor corporativo muito apreciado por minha clientela. Jornalista perto atrapalha”. Antes responde à minha última pergunta: “Polícia? Até aparece de vez em quando. Mas o problema deles é com cambista. E meu planejamento estratégico prevê custos com difusão da cultura organizacional da empresa. Se vem um PM reclamar, explico a diferença, deixo um mico na mão do guarda e tudo se resolve”. Ergue os dois polegares, força uma piscadela para mim e sopra um “vai, vai, agora vai”, na minha direção. Na promoção, arquibancada a cento e vinte.

quarta-feira, julho 18, 2007

BOLETIM DO PAN III

'RESMUNGÕES DO PAN'

Em meio à festa promovida pela torcida brasileira nas competições dos Jogos Pan-americanos, há também aqueles que gostam de exercitar um tom mais crítico ao comentar o desempenho dos atletas de nosso País. É o caso de Augusto Lima, 32, e Jorge dos Anjos, 31, cujas enfáticas reclamações os diferenciam dos torcedores que parecem vibrar com qualquer resultado dos representantes brasileiros. “Esse negócio de ‘ganhamos a medalha de bronze ou de prata’ é ridículo! Perdemos a de ouro!”, vocifera Augusto. “Se bem que o pior mesmo é gente que vence o ouro, mas com desempenho patético. Eu gosto mesmo é de quebra de recordes”, lembra Jorge. Mesmo para quem assiste de perto à dupla criticar os atletas, é difícil apurar a causa de tanta acidez. “Hoje em dia é tudo muito fácil, tem patrocínio de empresas, paparicos na imprensa e tudo o mais. Assim até eu!”, avisa Jorge. “E o serviço nos estádios está péssimo. Me venderam cachorro-quente e não tinham sachês de maionese para acompanhar. Uó!”, pondera Augusto. Quando vou perguntar se o desempenho de algum atleta brasileiro até o presente mereceria seus aplausos, Augusto levanta-se e, puxando Jorge pelo braço (“Vamos, Jorge!”), despede-se apressado: “Temos que ir! Ainda falta ver os jogos de hóquei na grama e o boliche”. Descem a arquibancada e ainda posso ver o Jorge resmungando algo que não escuto. Parece com 'não me puxa assim que eu não gosto'. Acho.

BOLETIM DO PAN II

'OS HERÓIS DOS HERÓIS DO PAN'

Sentado na área destinada aos nadadores, o atleta boliviano Choclos Menendez, de 23 anos, exprime em seu rosto uma tranqüilidade incomum em competições de nível internacional. Caminha de um lado para outro acompanhado de seu tocador de MP3 e, entre movimentos que se assemelham aos de aquecimento só que malfeitos, deixa levemente aberto seu roupão na tentativa de flertar com jornalistas que cobrem o evento e mulheres que assistem às provas da arquibancada. "É chato ficar esperando entre uma prova e outra" - afirma enfadonhamente - "distraio-me como posso". Choclos irá disputar um total de oito provas, não passará da fase eliminatória em nenhuma delas e é o típico exemplo de uma categoria de atletas que não costuma desfrutar de reconhecimento pelo público, mas que são fundamentais para a consagração dos destaques da competição: os heróis dos heróis do Pan. Além de uma alimentação balanceada e uma preparação física e psicológica intensa, essa legião de atletas que jamais vencerá qualquer prova é parte do que é preciso para se fazer um vencedor. Entretanto, a atitude despreendida dessa turma nem sempre é reconhecida por quem acompanha os eventos desportivos. "Estou acostumado. Até minha mãe se envergonha de meu desempenho esportivo. Diz para todos que trabalho com vendas e que viajo muito por causa disso"- declara Choclos, resignado. "Somos imprescindíveis para que haja os vencedores, mas não somos valorizados por isso", desabafa. Indagado sobre o que o mantém motivado para prosseguir competindo em meio a tamanho descrédito, ele prontamente afasta qualquer dúvida sobre a convicção de fazer o que é certo: "Está maluco? E perder as viagens com a delegação? Estou no Rio, praticamente a passeio, bancado pelo Comitê Olímpico Boliviano. Quer mais?". E ainda revela um pouco da intimidade do que acontece na Vila Panamericana - "Além disso, estou passando o rodo lá na Vila. As americanas e canadenses adoram um sul-americano exótico". Sorri malicioso enquanto abre um pouco seu roupão e exibe o tórax para mim.

BOLETIM DO PAN

'ERIOVALDO, UM BRASILEIRO'

Eriovaldo Martins de Souza Fernandes e Fernandes, 26 anos, medalhista de ouro nos jogos Pan-americanos, ao comentar sua trajetória de vida até sua vitória consagradora faz questão de chamar a atenção para as poucas dificuldades que enfrentou até alcançar essa memorável conquista. "Foi muito difícil abraçar a carreira de atleta sem ter enfrentado os problemas por que passaram os campeões que eu via na televisão comentando suas conquistas. Eu era menino ainda e, sentado no colo de papai, esperando mamãe preparar o jantar em família, cheguei a invejar aqueles rapazes e moças tão sofridos cujos obstáculos na vida foram indispensáveis para lhes forjar um caráter vencedor", comenta o mais novo ídolo do esporte nacional. "A imprensa deveria lembrar de sua responsabilidade social e refletir sobre o mal que faz às crianças que têm vidas funcionais e que se sentem desestimuladas a sonhar em serem campeãs porque não tiveram que largar os estudos nem vender balas no sinal aos dez anos de idade". Ao lembrar dessa época, Eriovaldo se emociona: "Eu mesmo pensei em fugir de casa e largar a escola!". Parabéns, Ariovaldo, um brasileiro que pode encher o peito e dizer que venceu a falta de obstáculos e chegou lá!